NOTA PÚBLICA
A Associação Latino-americana de Juízes do Trabalho, entidade que congrega magistrados de todos os países da América Latina e do Caribe, por decisão unânime da Diretoria Executiva, vem a público alertar a comunidade brasileira e internacional para o golpe parlamentar em curso no Brasil.
Com efeito, no
processo de impeachment da Presidente Dilma Rousseff o figurino golpista se
revela claramente, desde a proclamação dos eleitos no pleito de 2014. O
partido derrotado na eleição
presidencial não reconheceu a derrota e requereu ao Tribunal Superior Eleitoral
a recontagem dos votos. Depois, o mesmo partido propôs ação no TSE, postulando
a perda do mandato da Presidente, sob a alegação de abuso de poder político,
econômico e fraude na campanha do PT de 2014. A mídia oligopolista sustenta a
pauta do impeachment há um ano e meio.
O presidente
da Câmara recebeu a denúncia contra a Presidente no momento em que já estava
ameaçado de cassação e processado criminalmente, em uma manifestação evidente
de chantagem e, depois, de vindita política, sem que estivesse configurado
crime de responsabilidade por ela cometido. Causa perplexidade o fato de o
processo de impedimento da Senhora Presidente da República, que não é alvo de
qualquer investigação criminal, ter sido articulado e conduzido, no âmbito da
Câmara dos Deputados, por parlamentar denunciado pelo Ministério Público
Federal no STF, na qualidade de autor de inúmeros crimes contra o patrimônio
público, incluindo o de corrupção passiva.
Ainda que o
direito de cumprir integralmente o mandato, nas democracias, não seja
reconhecido de forma absoluta, também é certo que somente em casos
excepcionalíssimos haverá a possibilidade de afastamento dos ocupantes de
cargos, inclusive do Presidente da República, nos estados presidencialistas.
O exame do
art. 85 da Constituição da República Federativa do Brasil revela que a
Presidente da República Dilma Rousseff não incorreu em nenhuma conduta
correspondente a crime de responsabilidade, de modo que o requisito jurídico
para a autorização do processamento do impedimento não se configurou. Não há,
portanto, condição jurídica para a admissão de acusação contra a Chefe do Poder
Executivo, como feito em 17 de abril de 2016, pela Câmara dos Deputados.
Tratou-se de
julgamento estritamente político, que representou a quebra da ordem
constitucional, no afã de promover o afastamento ilegítimo da Presidente da
República, eleita com mais de 54 milhões de votos.
O afastamento
promovido fora dos ditames constitucionais e dos limites de atuação das
instituições democráticas representará o desaparecimento de requisitos mínimos
de configuração da democracia, que é o reconhecimento pelos vencidos do
resultado das urnas e a garantia do cumprimento dos mandatos dos eleitos. Em
uma palavra, a ruptura do Estado Democrático de Direito.
O caso
brasileiro, ainda pendente de desfecho, não terá sido fato isolado. A rigor,
perigosos precedentes revelam que a tomada do poder por grupos políticos
derrotados nas urnas vem se revelando uma tendência na América Latina, como
aconteceu nos golpes perpetrados contra os então presidentes de Honduras, José
Manuel Zelaya, em 2009, e do Paraguai, Fernando Lugo, em 2012.
Tendo em mente
tais precedentes e preocupados com a evolução dos acontecimentos no Brasil,
aqui estiveram o Secretário Geral da Organização dos Estados Americanos, o
Secretário Geral da UNASUL e o Presidente da Corte Interamericana de Direitos
Humanos, para expressar a inquietude da comunidade internacional com a
insistência dos vencidos no pleito de 2014 em afastar a Chefe de Estado e de
Governo, sem que haja base jurídica para a medida, num flagrante atentado às
instituições democráticas.
A transmissão
da sessão da Câmara dos Deputados de 17 de abril permitiu que o Brasil e o
mundo constatassem, com segurança, a fragilidade dos fundamentos apresentados
pelos parlamentares, que, em sua grande maioria, se limitaram a render
homenagens a parentes e amigos, passando pela exaltação dos golpistas de 1964 e
de notórios torturadores, tudo sob a cínica complacência do Presidente da Casa,
num inacreditável espetáculo de rancoroso revanchismo, que envergonha o Brasil
perante a comunidade internacional.
A ALJT não tem
dúvida do retrocesso político e social que ocorrerá no eventual impedimento da
Presidente da República, cujo processo é conduzido pelas forças mais
conservadoras e reacionárias da sociedade, com o patrocínio de poderosas
entidades empresariais, obcecadas pelo esgarçamento da legislação trabalhista,
com especial destaque para a autorização, sem limites, da terceirização, da
prevalência do negociado sobre o legislado e pelo fim de tantas outras
conquistas dos trabalhadores previstas na Constituição da República e na
Consolidação das Leis do Trabalho - CLT.
Confia a
Associação Latino-americana de Juízes do Trabalho que a resistência coletiva,
pública e pacífica da sociedade brasileira, aliada à pressão internacional pela
conservação da democracia no Brasil, serão determinantes para a interrupção do
processo golpista. Também confia a ALJT
que as instituições públicas e os poderes constituídos da República que ainda
examinarão o tema exercerão as suas funções com independência e destemor,
isenção e equilíbrio, e rejeitarão o julgamento meramente político da
Presidente da República, que seria, assim, inconstitucional e ilegítimo e
reduziria o Brasil à condição de Estado não democrático, num retrocesso
histórico de consequências imprevisíveis.
Em 18 de abril
de 2016.
Hugo
Cavalcanti Melo Filho
Presidente /
Juiz do Trabalho no Recife, Brasil
Julio Arrieta
Escobar
Vice-presidente
/ Juiz da Corte Provincial - Sala Laboral - Sede Judicial de Quito, Equador
Maria Madalena
Telesca
Secretária-Geral
/ Desembargadora do Trabalho no Rio Grande do Sul, Brasil
Silvia Escobar
D.
Prerrogativas / Juíza de Câmara de Trabalho em Mendoza, Argentina
Rosina Rossi
D. Cultural /
Ministro do Tribunal de Apelações do Trabalho, Uruguai
Roberto Carlos
Pompa
D. Assuntos
Internacionais / Juiz na Sala IX da Câmara Nacional de Apelações do Trabalho,
Argentina.
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